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O que é "apostasia"? Todos os grifos, negritos e itálicos em citações de fontes que não sejam deste mesmo Site foram acrescentados pelo autor deste artigo. Algo que tenho certeza a respeito de todos nós, os seres humanos, é que tomamos ciência durante o decorrer de nossas vidas de que informações e dados precisos e verazes são muitas vezes mal utilizados, com finalidades obscuras de apoiar certas afirmações, credos ou ensinos, ou ainda pior, para efeito de intimidação. A exemplo disto, durante a chamada Santa Inquisição, a Igreja oficial se valia de um hipotético apoio bíblico para justificar o tratamento desumano dado àqueles considerados hereges pelas autoridades eclesiásticas. De fato, este talvez seja o mais bem conhecido relato a respeito da distorção de um argumento ponderado, transformado artificialmente em apoio para um comando absolutista, cruel e desumano para se dizer muito menos do que poderia ser dito. Mas, infelizmente este não é um único caso, mas apenas o mais bem conhecido. Se começarmos a recuar na história recente da humanidade, iremos observar casos notórios onde argumentos que em si mesmos seriam úteis, ou na pior das hipóteses inócuos, são utilizados como base para matanças, guerras, repressão e uma série de outros atos hediondos cometidos tanto em nome da religião como da pátria. Mas, voltando ao campo religioso, aparece na Bíblia um argumento que visa proteger os adoradores de Deus de pessoas mal intencionadas, cujo objetivo maior parece ser simplesmente o de desviar pessoas sinceras de um proceder salutar. De fato, contra estes os cristãos são alertados da seguinte maneira:
Inquestionavelmente observamos aqui aquilo que poderia ser caracterizado como uma descrição apropriada para o termo apóstata, cujo conceito foi definido nos evangelhos ou seja, o indivíduo que abandona o ensino do Cristo, e conseqüentemente a lei de Deus, talvez até mesmo indo ao ponto de tentar minar a fé de outras pessoas através de argumentação ardilosa. Dificilmente poderíamos encontrar uma descrição mais sucinta, e ao mesmo tempo tão precisa como a encontrada em 2 João 8-10. O ponto chave nestes versículos bíblicos é que eles determinam o que, do ponto de vista cristão, deveria ser considerado apostasia, já que o equivalente termo em grego é um tanto quanto abrangente. Para que haja uma compreensão mais ampla do que quero demonstrar, iremos nos valer da definição de apostasia, segundo descrito na obra Estudo Perspicaz das Escrituras, publicada pela Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados:
Obviamente o leitor pode notar que o termo em questão pode gerar uma gama quase que infinita de sub-definições e interpretações quanto à sua aplicação. Dado a abrangência radial do termo original grego para apostasia, esta palavra poderia englobar uma série de situações diferentes, sem que isto no entanto refletisse necessariamente o sentido transmitido pela Bíblia, na definição e conceito dos evangelhos. Como um caso típico, Martinho Lutero poderia ser considerado um exemplo clássico de apóstata pelo fato de haver desertado, abandonado sua religião de nascimento e ainda mais, exposto como errados inúmeros ensinos por ela adotados enquadrando-se assim na definição do termo apóstata segundo sua raiz grega o determina. Mas este não seria um caso isolado, nem o mais notório. A exemplo disto, o citado comentário do livro Estudo Perspicaz das Escrituras indica que o apóstolo Paulo foi acusado de apostasia contra a Lei mosaica. Partindo-se da interpretação mais abrangente do termo apostasia, poder-se-ia argumentar que tal definição literal poderia realmente se aplicar ao apóstolo Paulo, uma vez que ele abandonou, desertou sua anterior fé e religião em favor de um novo ensino e de fato, este seria um argumento válido do ponto de vista lingüístico, levando-se em conta o abrangente significado do termo grego em questão. Mas, como dito, isto seria válido do ponto de vista de um lingüista, não do ponto de vista do conceito expresso nos evangelhos. Para que possamos chegar a uma conclusão definitiva sobre a aplicação do termo apostasia, segundo o conceito delineado nos evangelhos, será necessário que façamos uma séria consideração acerca de qual idéia os escritores bíblicos apostólicos queriam passar quando advertiram contra a deturpação do cristianismo em relação ao originalmente estabelecido. Como ponto de partida, se observarmos atentamente a linha de raciocínio iniciada na leitura de 2 João 8-10, e passando pela definição acima descrita no livro Estudo Perspicaz, iremos sem muita dificuldade chegar a conclusão lógica da aplicação do termo apostasia, segundo delineado na doutrina do cristianismo puro, não adulterado. Uma definição concisa e realista poderia ser:
Partindo desta idéia, podemos analisar outro relato bíblico que dá forte apoio ao argumento tão somente apresentado. Vejamos:
Portanto, inquestionavelmente, a aplicação do termo apostasia segundo o sentido transmitido nos evangelhos se refere ao ato de se afastar dos ensinos originais de Jesus Cristo, em conexão com seu Pai. Em nenhum momento os evangelhos transmitem a idéia de que os verdadeiros cristãos teriam que dedicar sua lealdade incondicional a uma entidade religiosa, e que caso se desligassem desta, estariam enquadrados nas palavras de 2 João 8-10. Não, de fato este conceito não existe na Bíblia, ainda mais quando se é possível provar que tal religião contém ensinos contrários aos originalmente transmitidos aos cristãos do primeiro século. É por isto que em sentido bíblico, o termo apóstata não é aplicável ao apóstolo Paulo nem a Martinho Lutero, uma vez que eles abandonaram uma religião (que se chocava com os ensinos de Jesus), e não aos claros mandamentos e ensinos cristãos em sua pureza original. Assim, o conceito bíblico acerca do assunto em questão deve nos motivar a termos mais cuidado com os critérios de avaliação que utilizamos. Antes de rotularmos uma pessoa de "apóstata", deveríamos examinar os fatos para que possamos determinar se ela abandonou o ensino de Cristo ou, ao invés, abandonou uma entidade religiosa, o que são duas coisas completamente diferentes. Afinal, o próprio Jesus Cristo não estabeleceu religião quando esteve na terra, nem deixou este conceito como recomendação a seus discípulos. Mais que isto, nenhuma outra parte dos evangelhos deixa transparecer a idéia de que a aprovação divina a um ser humano está de alguma forma vinculada a sua ligação com uma religião organizada. Uma sólida prova neste sentido é trazida à atenção em um incidente acontecido durante o ministério de Jesus Cristo, enquanto ainda na terra. Nesta ocasião os discípulos de Jesus tiveram conhecimento de um homem que, apesar de não estar associado diretamente com o Messias e seus apóstolos, realizava com sucesso obras em nome de Jesus Cristo. Certamente que a reação de Jesus indicaria se este homem era aprovado ou reprovado. Como se pronunciou Jesus a respeito do assunto?
O mesmo relato, segundo o escritor Lucas:
Caso o homem que realizava sinais em nome de Jesus não tivesse sua aprovação (i.e. de Jesus), este incontestavelmente o teria manifestado naquela mesma ocasião. Inversamente, Jesus deixou claro através da expressão "é por vós" o fato de que aquele homem estava do mesmo lado que eles, e portanto, tinha a aprovação de Jesus, ainda que não estivesse associado diretamente com aquele grupo. E jamais poderíamos enquadrar tal homem entre aqueles descritos por Jesus em Mateus 7:21-23, uma vez que o Cristo jamais adotaria uma atitude passiva para com um falso profeta, jamais seria conivente com um apóstata. Antes, todas as vezes que Jesus se viu confrontado com um personagem que agia contra seus mandamentos (ou os mandamentos de seu Pai), ele agiu de maneira direta e firme, expondo erros e práticas condenáveis ainda que isto representasse perigo de perseguição física. O fato em questão é que, independentemente de uma posição religiosa, aquele homem agia corretamente por depositar fé nos ensinos de Jesus Cristo e agir em acordo com eles. Este tipo de atitude não foi condenada por Jesus, deixando ele claro desta forma que o conceito formal de religião e de lealdade religiosa não estão ligados ao cristianismo original. Ele mesmo não estabeleceu uma religião, nem sequer instruiu seus discípulos a que o fizessem. Portanto, nossa lealdade incondicional deve ser aplicada somente a Jeová, Jesus e aos seus ensinos e nada mais. Nenhuma organização religiosa é merecedora de tal lealdade, nem tampouco a pode exigir, uma vez que este conceito não é bíblico. Como complemento a este raciocínio, meditemos nas seguintes palavras:
Qual seria o fator determinante para obtermos a aprovação divina? Seria por acaso a lealdade incondicional a uma religião dirigida por humanos imperfeitos, erráticos, que proferem profecias e marcam datas com precisão absolutamente míope? Seria esta a exigência de Jesus? Não é o que parece demonstrar o relato acima. Antes, sermos considerados amigos de Cristo estaria vinculado a executarmos suas ordens, e não a obedecermos como vassalos a ensinamentos religiosos dogmáticos; e sendo ainda mais específicos, ele disse qual era sua principal ordem: o amor, e não estar aprovado por uma religião que professa ser o canal de comunicação utilizado por Deus. Portanto, qualquer credo religioso que coloque como sendo essencial para a aprovação divina estar ligado oficialmente a uma religião e ter seu aval (i.e., da religião) está adicionando indevidamente ensinos de homens aos ensinos de Cristo. Os cristãos genuínos não podem fazer tal exigência, muito menos rotular nos termos bíblicos como "apóstata" aquele que abandona um credo religioso que, segundo observado, ensina algo contrário ao que é ensinado nos evangelhos. Será então possível que alguma religião adote uma postura contrária a definição bíblica de apostasia, impondo conceitos humanos e punindo aqueles que deixam de seguir seus ensinos? Veja a seguinte citação extraída do livro "Prestai Atenção a Vós Mesmos e a Todo o Rebanho" (o famoso "KS", manual dos anciãos, página 94), onde é colocada uma definição não bíblica de apostasia:
Pode notar o "conforme ensinada pelas Testemunhas de Jeová"? Esta afirmação chega quase a ser inacreditável, devido ao fato de que todos sabemos das constantes mudanças de ensinos nas doutrinas das Testemunhas de Jeová. Para que examinemos a falta de razoabilidade contida nesta definição, consideremos o seguinte:
Assim, a expressão "conforme ensinada pelas Testemunhas de Jeová", aplicada como fundamento para se definir a conduta apóstata, é na realidade uma arbitrariedade humana e, conforme demonstrado até aqui, sem qualquer apoio bíblico. No entanto, infelizmente a citação do KS não é única. Em mais uma publicação, este conceito é expresso em igual intensidade:
Mais uma vez notamos que a definição de apostasia adotada pela Torre de Vigia não se baseia em argumentos bíblicos. Ao passo que a preocupação dos primitivos cristãos, demonstrada através dos evangelhos, era proteger o ensino de Cristo contra deturpações e conceitos humanos, inversamente a preocupação da Torre de Vigia é manter um controle absoluto sobre não somente o que seus adeptos fazem, mas também sobre o que pensam ainda que isto custe agir de maneira parecida aos líderes da inquisição medieval. Aliás, as semelhanças na situação proposta chegam a ser impressionantes. Se voltarmos no tempo, iremos notar que muitas pessoas morreram queimadas vivas porque ousaram ler individualmente a Bíblia e, em alguns casos, compartilhar seus pensamentos com um número relativamente pequeno de pessoas uma vez que os meios de comunicação modernos ainda não existiam, e tinham que agir na clandestinidade para que não caíssem nas mãos da Igreja. Assim, a Igreja impunha de maneira absoluta suas normas autoritárias, seus ensinos sem fundamento bíblico, colocando sob pena de morte aqueles que a desobedecessem. Era proibido ler e interpretar a Bíblia individualmente; era proibido falar a outros sobre passagens bíblicas que eventualmente foram lidas; era proibido contestar a autoridade da Igreja, por mais lógico que fosse o argumento. Para aqueles que desobecessem tais ordens, estava reservado um tribunal tendencioso e de funcionamento obscuro, que trabalhava a portas fechadas e negava o direito de defesa - apesar de hipocritamente afirmar que não o tolhia. Para evitar a morte, sob condenação de heresia, alguns tinham que se curvar de maneira servil aos mandos da Igreja, ainda que estes claramente fossem ilógicos e anti-bíblicos. Agora volte ao texto do parágrado anterior e subsitua as ocorrências de pena de morte por desassociação e "Igreja" por "Torre de Vigia". Não é esta a exata situação que existe dentro da comunidade religiosa denominada "Testemunhas de Jeová"? Exceto pelo fato de que não existe a pena de morte, hoje as coisas andam no mesmo ritmo que séculos atrás. O que sinceramente não consigo entender é como os redatores da Torre de Vigia têm coragem de atacar a igreja Católica em função da "Santa Inquisição", se a própria "Organização Mãe" age de forma idêntica, apenas utilizando métodos punitivos diferentes. Portanto, a partir desta descrição seria uma boa atitude analisar cada caso individualmente, a luz da Bíblia, não de normas organizacionais, para determinarmos se um ensino pode ser considerado apóstata ou não. Mais que isto, esta consideração, aliada a 1 João 4:1 deve deixar portas abertas para que examinemos o que outros, além da organização, têm a dizer sobre a verdade Bíblica. Assim, poderemos determinar com base em nossa consciência cristã se aceitaremos ou não os argumentos que acabamos de ler. No entanto surge a pergunta: O que dizer do "Corpo Governante"? Existe, segundo as Escrituras, um comando central para os servos de Deus? Clique aqui e leia uma matéria esclarecedora neste sentido.
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